EMPECILHOS
PARA A DEFESA NACIONAL ¹
Maria
Helena de Amorim Wesley
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SINOPSE
As
páginas deste artigo apresentam algumas sugestões de uma linha básica
da política de defesa que centra a atenção no controle da violência,
passível de alterações para adaptá-las aos objetivos desta Casa e
demais instituições.
1.
INTRODUÇÃO
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2.
CONCEITO E RELEVÂNCIA DO TEMA
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3.
OBJETIVOS E POSSÍVEIS EMPECILHOS
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4.
A DEFESA NACIONAL
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5.
CONCLUSÃO
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¹Este artigo
é uma contribuição para a Escola Superior de Guerra, instituição
que preservando seus princípios doutrinários, preocupa-se com a
realidade contemporânea nacional e internacional e a inserção do
Brasil no processo de globalização.
1.INTRODUÇÃO
“Francamente,
não entendemos como – a menos que busque, por um mecanismo
subconsciente de compensação, enganar-se a si mesmo e à angústia da
instabilidade a que deseja fugir – possa alguém acreditar hoje nos
velhos sonhos de uma paz mundial estável, fundada – e ainda mais para
os nossos dias ou os dias de nossos filhos – na justiça
internacional, na intangível liberdade das Nações, reconhecida e
respeitada por todos, e nesse princípio, tão lógico, tão moral, mas
não menos irreal, da autodeterminação e absoluta soberania dos povos,
o qual, nem por não se poder nele confiar de forma alguma, importa que
se deixe de usá-lo e defendê-lo a todo custo como argumento único,
que é, dos fracos contra os fortes. O ideal de renúncia à guerra como
instrumento da política, proclamado ingenuamente no
Pacto Briand –Kellogg, ainda em meio ao interregno eufórico que
apenas separou as duas maiores guerras que já convulsionaram o mundo,
viu-se inteiramente ultrapassado pela realidade indiscutível dos fatos.
A Liga das Nações nascera já moribunda, triste aborto de um grande
idealismo utópico, e a ONU e seu estranho sistema de paternalismo político,
por mais que se lhe reconheçam os méritos e as realizações no setor
da cultura e da assistência técnica, serviu apenas para criar, à luz
meridiana, um palco incruento onde se digladiam tenazmente nações
inimigas e irreconciliáveis e onde ressoam as tensões violentas que
dissociam o mundo de nossos dias”.
Nas colocações
supra, extraídas de documento pouco divulgado – escrito e publicado
em 1957, já configurava a realidade contemporânea, onde, na insegurança
do atual cenário a continuidade das forças históricas permanece como
única certeza, indicando que a crise vivenciada não pode constituir-se
do passado diante do desgaste das estruturas sociais e econômicas.
As estruturas
científicas do século findo, modelaram uma consciência restrita a um
pequeno número de pessoas, indiferentes às conseqüências de suas
atividades que fundamentaram uma economia dependente da tecnologia cujos
poderes transformadores impulsionaram os Estados interessados somente na
verdade instrumental, e, só raramente na verdade última (social ou
cultural). Deriva deste fato, a desatenção para determinados campos do
conhecimento (Ciências Humanas ou Sociais) para os quais o apoio
deveu-se tão somente na busca de prestígio nacional ou premiações
que fornecessem uma imagem do século XX como uma era de progresso,
desaguando na atual inexistência de potências vitoriosas ou
derrotadas.
No cenário
contemporâneo, tateia-se no nevoeiro global sem apoio de qualquer
sistema ou estrutura internacional: os Estados fundamentam-se no uso da
vantagem social, do desordenado poder do dinheiro, e no vazio de
mecanismos independentes para demarcar suas fronteiras (Israel e Jordânia)
diante da ausência de mediadores imparciais.
A obscuridade
desse cenário, conformado por linhas nebulosas de lutas intestinas
facilmente transformadas em guerras tradicionais, mostra que a
possibilidade ou inexistência de um conflito global não se extinguiu e
nenhum Estado está imune à carnificina e a insegurança presentes em
países outrora denominados de Terceiro Mundo e agora considerados em
desenvolvimento: a democratização ou
privatização dos mecanismos destrutivos se constituiu em
elemento transformador da perspectiva de violência e depredação que
viabilizam o desgaste e a destruição a baixo custo por pequenos grupos
dissidentes, quando comparados aos bombardeios de guerras oficiais, haja
vista o episódio World Trade Center, as atividades do IRA ou do ETA.
Graças à
democratização dos meios destrutivos, elevam-se dramaticamente os
custos do controle da violência não oficial, o que revela a limitação
do poder do Estado na análise da causa da tensão internacional e
nacional.
Equacionar ou
minimizar este problema, sem estabelecer regras autocráticas que inibam
a liberdade, evitando a participação reduzida da população,
constitui-se em um grande desafio.
2. CONCEITO E RELEVÂNCIA DO TEMA
A sombra do
passado recente, impondo limites a um planejamento estratégico
objetivo, conduz à necessidade de tentar conceituar o termo
poder, como requisito indispensável
para qualquer análise das dimensões complexas e ambíguas das
sociedades no que tange aos fenômenos imbricados e correlacionados.
Utilizado, neste espaço, em um sentido mais genérico, referir-se-á a
um conjunto de posições e funções através das quais as sociedades
dominantes subjugam as demais. Em sentido mais específico, indicara a
ordenação social e política (regime) institucionalizada num aparato
administrativo (governo) que cumpre a finalidade de manter o status
quo, principalmente os mecanismos de apropriação de bens, de
desfrute de privilégios.
O caso do
Estado Brasileiro deverá ser analisado considerando a atuação de
contingentes contrapostos dentro das classes dominantes e se estas
constituem complexos monolíticos com interesses comuns antagônicos às
classes subjugadas, para fazê-las atuar de forma unitária,
considerando a existência da capacidade virtual e efetiva de insurgência
por parte das classes subalternas e oprimidas.
Para realizar
esta análise tentar-se-á apresentar um esquema construído com bases
no contexto nacional, através da observação direta e da análise crítica
da realidade latino-americana.
O atual modelo
político norte-americano congelou qualquer reação das instituições
aos alardeados direitos humanos diante dos recentes acontecimentos na Rússia,
Israel, Afeganistão e China, além de resultarem no esvaziamento da ONU
e desconsiderar o quadro hemisférico que apresenta realidades diversas,
o que, obviamente, inviabiliza a existência de instrumentos de segurança
coletiva para a América Latina.
O caso do
Estado Brasileiro deverá ser analisado considerando a atuação de
contingentes contrapostos dentro das classes dominantes e se estas
constituem complexos monolíticos com interesses comuns antagônicos às
classes dominadas, para fazê-las atuar de forma unitária, considerando
a existência da capacidade virtual e efetiva de insurgência por parte
das classes subalternas e oprimidas.
A análise das
estruturas do
poder através das quais a América do Norte exerce sua dominação
hegemônica sobre a América Latina, tem permitido a imposição de um
projeto de exploração dos recursos brasileiros, estabelecendo o grau
de progresso que mais lhe convém, e até a fixação do ritmo de
crescimento populacional que corresponda a seus desígnios. Essa dominação,
exercida no interior de cada país através da ação conjunta de
grandes empresas, expande-se às expensas de nossa substância, apoiada
em amplos sistemas de comunicação que deformam a cultura nacional e
manipulam a opinião pública segundo seus interesses. Seus agentes são
altos executivos empresariais e dirigentes de serviços diplomáticos
que, junto a associados nativos, constituem uma elite dirigente invisível,
situada na posição de setor predominantemente da classe dominante.
Para realizar
uma análise equilibrada, dever-se-á apresentar um esquema construído
com bases no contexto nacional, através da observação direta e da análise
crítica da realidade latino-americana.
3.
OBJETIVOS E POSSÍVEIS EMPECILHOS
Atualmente a
oposição entre a América do Norte e a América Latina, obriga a última
a viver dramaticamente papéis alternos no âmbito de um processo
civilizatório, válidos no mundo, tanto para povos subdesenvolvidos
quanto para as classes da base da pirâmide social das nações prósperas.
A posição
hegemônica dos Estados Unidos no continente configura-o como país
contendor a atuar em acorde com cada situação concreta, podendo colaborar
com alguns governos revolucionários para mina-los internamente (a
exemplo da Bolívia em 1952); aceitar a existência de um governo
hostil a suas empresas (caso do México de Cardenas) se o apoio popular
interno e a conjuntura internacional em que se der o enfrentamento
aconselharem cautela; tentar uma contrarrevolução
preventiva (caso do Brasil ao tempo de João Goulart); empreender
uma invasão armada (como a ocorrida na República Dominicana); e,
finalmente, utilizar subpotências regionais para provocar guerras
locais. Neste cenário, apesar de ser uma alternativa entre muitas, um
conflito armado constitui uma possibilidade real que não pode ser
descartada.
Como no final
do século XIX e inicio do século XX, quando as forças renovadoras
desencadeadas pela Revolução Industrial impulsionaram as lutas da
independência, a revolução tecnológica desencadeia um novo processo
civilizatório que percorre a América e o mundo. Sob as estruturas de
dominação tradicional, onde quer que elas existam e qualquer que seja
a sua forma, emergem forças renovadoras. Cada qual tem sua própria
causa, mas todas são identificáveis como agentes do processo civilizatório,
aglutinadas como representações de duas atitudes históricas: a que
quer reter o passado, e a que precisa construir o futuro.
No bojo desse
processo, a América Latina volta aos tempos bolivarianos. Novamente são
chamadas à cena as tensões estruturais anti-oligárquicas e
anticoloniais que espocaram tantas vezes em guerras intestinas, como as
emancipações e sublevações centenárias de escravos, de índios e de
camponeses.
Agora, porém,
não para serem desencadeadas e logo cooptadas por ação de seus próprios
aliciadores, como ocorreu após a independência. Isto porque a tarefa
das forças revolucionárias foi afinal definida na conquista do poder
político por vanguardas socialistas que se propuseram a reestruturar
toda a ordem social, erradicar as contradições econômicas
representadas pelos interesses oligárquicos e imperialistas e liquidar
o despotismo do velho patriciado civil e militar para, deste modo, pôr
fim aos fatores causais do atraso que pesa há séculos sobre os povos
latino-americanos.
Uma vez alcançados
esses requisitos políticos prévios, os socialistas acreditaram ser
possível superar o enquadramento de dependência imposta pela
atualidade histórica que eterniza o subdesenvolvimento autônomo e
continuado. Entretanto, o cenário de insegurança existente, desmente a
aplicação do exposto acima e não é exclusividade de nenhum Estado.
No romper do século
XXI a utilização da tecnologia intensiva e sua rápida difusão
trouxeram benefícios às organizações, graças à rede mundial de
comunicação e o acesso à informação e ao conhecimento, mas também
trouxeram inúmeras dificuldades e perigos quando utilizadas
desfavoravelmente nas sociedades, vindo a constituir-se em fonte de ameaça
nacional.
O preâmbulo
feito até aqui evidencia uma transição desvalida de valores das práticas
tradicionais, colocando em xeque todo o conhecimento das organizações
e instituições, no que concerne à defesa nacional.
4.
A DEFESA NACIONAL
Embora ainda não
se tenha uma situação análoga a da Colômbia, onde a guerra está
associada ao terror, a extensão territorial que configura o Estado
Brasileiro como líder regional, tem nos países lindeiros a permanente
ameaça terrorista.
A breve exposição
feita possibilita identificar alguns pontos vulneráveis da
Defesa Nacional, conforme a análise feita por Côrtes (ESG, 2000)² e
considerados por este Autor como pontos de risco, diante do
contexto propício a ocorrências de instabilidade, ressurgimento de
ideologias, conflitos locais, surgimento de nações ilegais e
possibilidades de isolamento, discriminados como segue:
¨ envolvimento de parte da elite na
composição do Estado Paralelo;
¨
enfraquecimento do Estado pela perda de autoridade e do controle;
¨
aumento da desigualdade, e, por consequência, da violência;
¨descomprometimento
governamental.
A avaliação en
passant do impacto da violência e do terrorismo nas sociedades,
levam a tentar propor algumas posições densas e fortes, objetivando a
reversão da atual situação e o fortalecimento do PN, e passando a
constituir pontos favoráveis abaixo enumerados:
¨ esforço
maciço;
¨
comprometimento governamental;
¨ polícia
eficiente;
¨ punição
severa ao suborno;
¨
intervenção direta e diária;
¨
integridade do judiciário;
¨
estudar possível cooperação dos envolvidos no crime organizado (tendo
em tela o exemplo italiano).
5
. CONCLUSÃO
A indefinição
de Objetivos e conseqüentemente de estratégias para a Defesa
Nacional,surge da dificuldade em avaliar o impacto da violência e do
crime organizado no Estado Brasileiro, levando à suposição da existência
do envolvimento e apoio de elementos situados no cume da pirâmide
social: desembargadores, juízes, políticos, além dos incontáveis
recursos judiciários, a favorecerem a atuação na base da pirâmide do
comando do tráfico e a constituição e estabelecimento de um poder
paralelo representado pelo crime organizado. Não há como evitar ou
rechaçar o fato de que, seja qual for o Estado,
o crime organizado só se estabelece com o apoio
institucional, e se caracteriza pela perda da dimensão
entre o legal e o ilegal que representa o elemento ativador e
confirmador do poder paralelo.
As fissuras na
organização do Estado, originadas pela perda de autoridade e pela
entrega gradual de suas leis a grandes empresas, além de criar um vácuo
no poder – que pode ser ocupado pelo poder paralelo -, traz, diante da
perda de autoridade, a perda do controle territorial, picos de insegurança,
aumento da desigualdade e eclosão da violência.
A
preservação dos recursos e investimentos (tangíveis ou intangíveis)
realizados, entre si e as instituições, requerem o uso regulamentado e
monitorado numa regra geral que seja conhecida por civis, militares e
governo, evitando constrangimentos e comportamentos impróprios presos
ao ranço do passado.